1.664 mulheres já foram vítimas este ano
As mortes da dona-de-casa Maria Ferreira de Souza, 46 anos, e da filha Bianca Ferreira de Souza, 12, em Feira de Santana, na madrugada de segunda-feira, não representam um fato isolado, faz parte do cenário de violência que se alastra pelos lares baianos, especialmente contra as mulheres. O principal suspeito do duplo homicídio, o paulistano José Damião de Lima, 26, com quem a dona-de-casa tivera um rápido relacionamento e que, segundo familiares, é foragido da Justiça. Na maioria dos casos de agressão às mulheres os autores são os companheiros, ex-maridos ou ex-namorados. As marcas do crime são similares à lesões apresentadas por vítimas que denunciam os agressores: sinais de estrangulamento e golpes de faca em várias partes do corpo. Esse crime está inserido em estatísticas que apontam, até 3 de março desse ano, 1664 ocorrências policiais registradas pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), em Salvador. Os números registrados pela Deam, de 2000 a 2008, são assustadores. Neste período, a delegacia registrou 434 casos de estupros, 18.997 lesões corporais, com apenas 696 inquéritos instaurados e 84 prisões em flagrante. Mais do que íntimos, aqueles que praticam delitos desse porte, geralmente são os companheiros das vítimas, inclusive, aqueles responsáveis pelo sustento da família. De acordo com a delegada da Deam, Aida Burgos, a maioria das mulheres que denunciam é dependente econômica de seus companheiro e vive na periferia da cidade. Um depoimento comum é o daquelas que têm medo ou que após procurarem a delegacia, voltam atrás e dizem que os amam, que trata-se do pai de seus filhos e que tudo foi provocado pelo álcool. Porém, com a Lei Maria da Penha (nº 11.340), em vigor desde 22 de setembro de 2006, que coíbe a violência contra a mulher, o rigor tornou-se maior. Entre outubro de 2006 e maio de 2007, a nível nacional, foram instaurados 32.630 inquéritos policiais, 10.450 processos criminais, 864 prisões em flagrante e 77 preventivas (de acordo com o Observatório da Lei). “Essa foi uma grande conquista para as mulheres. Me sinto mais tranqüila em apurar delitos, porque sei que o agressor será apenado. Com a nova Lei, não existe desistência da queixa, pois temos que formalizar um inquérito policial e encaminhar para a Justiça criminal”, explica Burgos. No passado, as agressões eram tratadas por uma legislação genérica e classificadas como simples rixa, dando ao agressor o direito de pagar até com o fornecimento de cestas básicas. Agora, acabou o pagamento de multa ou cestas básicas. O agressor pode ser preso em flagrante ou ter prisão preventiva decretada. Para o crime de violência doméstica, a pena que era de seis meses a um ano, passou de três meses a três anos. E, se a vítima for mulher portadora de deficiência, a pena será aumentada de um terço. Em casos em que as vítimas correm riscos com convívio com seus parceiros, após a denúncia, existem as medidas protetivas, decretadas pelo juiz de forma emergencial, a exemplo da retirada do agressor do lar, enquanto o inquérito corre a parte. Caso o acusado não cumpra a determinação judicial, o mesmo é preso. As principais ocorrências registradas são: ameaças de morte e agressões físicas; lesões corporais e vias de fato (quando não há marcas aparentes). Em 2007, foram 2.436 casos registrados de lesões corporais, enquanto esse ano, 263 mulheres já procuraram a delegacia apresentando sinais visíveis de agressão física. Aida Burgos ainda afirma que o rosto é o principal alvo dos homens, que costumam agredir em locais que fiquem expostos, como marcas do poder. A perda de um dente, por exemplo, é considerada uma lesão grave e consta no Código Penal. Segundo dados estatísticos da Deam, foram instaurados 397 inquéritos em 2007, contra apenas 29 em 2006, antes da Lei entrar em vigor. Esse dado reflete a conseqüência prática da legislação, que proporcionou 38 prisões em flagrante no ano passado. Apesar de haver redução de 107 ocorrências policiais registradas pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, de 2006 para 2007, a delegada Aida Burgos acredita que o aumento do número de denúncias partindo de mulheres da classe média é um reflexo positivo das iniciativas de conscientização da comunidade. “Por incrível que pareça, o patamar de denúncia tem sido mantido. A gente esperava um aumento de ocorrências a partir da nova Lei, pois fizemos tantas campanhas para informar à população os benefícios da legislação o maior rigor na apuração dos delitos”, afirma. O Disque Denúncia da Polícia Civil atende pelo número 3235-0000.
"Ele já me bateu com pá, faca..."
Na tarde de ontem, a baiana F.N.*, 27 anos, que vive em Plataforma, procurou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher em busca de socorro. Com graves sinais de agressão nos olhos e no rosto, a vítima estava acompanhada das filhas e denunciava o companheiro, com quem vive a mais de sete anos. Tribuna da Bahia - Qual o motivo da agressão? F.N. – Não há motivo. Quando ele bebe, me agride. Já me bateu com uma pá, com faca e agora, chamou o irmão para me bater. Quando eu estava desmaiada no chão, ainda me chutaram. Essa cicatriz no rosto foi de uma garrafada. Todo fim de semana, ele me quebra na porrada. A última vez foi porque tive que vender quatro ferragens para pagar o parcelamento da luz, que estava cortada. TB – Você está sozinha? F.N. – Não. Meus vizinhos me ajudam muito, me deram até transporte para vir à delegacia. No trabalho, minha patroa está angustiada com as marcas no meu rosto. TB – Você não pensa em sair de casa? F.N. – Tem que resolver. Ele me botou para fora da casa. Mas não posso sair, tenho quatro filhos e não posso abandonar. As crianças não têm para onde ir. Minha filha está doente e com medo. As crianças vêem tudo, ele empurra elas e agride muito as crianças. TB – Quando passa o efeito do álcool o comportamento do seu companheiro muda? F.N. – Sim. Ele chora e pede desculpa. Uma vizinha perguntou como eu desgracei minha vida toda por causa de uma geladeira e uma casa. Não é isso. Não posso sair assim. Ele tinha dinheiro para receber, gastou tudo em um dia de cachaça e quando perguntei, ele me bateu. Foi tão feio que os vizinhos chamaram a polícia. TB – Por que procurar a delegacia só agora? F.N. – Tenho que resolver isso. Não tenho medo, mas tenho que pensar em meus filhos.
Lívia Veiga/Tribuna da Bahia
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