Amor Ilimitado - A dor de Amar Demais

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Até quando defensores dos
Direitos das Crianças serão ameaçados?
 

Sandrah Salgado entrevista Vera Mattos

A Jornalista, psicanalista Vera Mattos, me concedeu, diretamente da Bahia, esta entrevista exclusiva onde relata tudo o que tem passado todo este tempo em sua luta pelos Direitos Humanos, não desistindo nunca de lutar por justiça, por mais ameaças que receba dos poderosos!

Sandrah - Você é presidente da Fundação Jaqueira que leva o nome de sua mãe, Maria Lúcia Jaqueira de Mattos. Com ela que você iniciou na luta pelos Direitos Humanos?

Vera Mattos – Hoje percebo que sim. Que minha mãe trouxe enormes exemplos para aqueles que conviveram com ela. Mesmo sendo de famílias tradicionais, e com recursos, ela sempre estabelecia a igualdade como prática diária. Tratar bem os empregados, jamais fazer diferenças;dividir o alimento disponível e não as sobras; vestir aqueles estivessem com frio; dar socorro aos necessitados e jamais negar ajuda quando o assunto estivesse ao nosso alcance.

Mesmo quando muito jovem e solteira minha mãe praticou uma espécie de democracia do ensino. Nascida e criada em Salvador logo após formar-se em professora foi para o interior da Bahia, onde alfabetizava adultos nas fazendas da região sudoeste. Ali ela começaria a estabelecer que fazendeiros e empregados teriam que estudar juntos nas mesmas salas e com as mesmas condições. Em alguns casos era alfabetização noturna. Ela era bastante jovem e idealista mas com seus 18 anos já conseguia feitos importantes. E assim continuou a sua vida sempre pregando igualdade e fraternidade.

Sandrah - Quais as principais ações da Fundação Jaqueira na atualidade e como se desenvolve seu trabalho?

Vera Mattos - Antes da morte da minha mãe já existiam algumas homenagens a ela na Bahia, entre as quais o Colégio Maria Lúcia Jaqueira no muncipio de Jequié, Bahia. Para nossa surpresa também foi criada a Fundação Maria Lúcia Jaqueira de Mattos homenagem que recebemos com muita honra e alegria. Inclusive realizamos doações significativas como por exemplo todo acervo pessoal dela, incluindo desde sua bibilioteca até obras de arte famosas.

Eu acredito sinceramente que a Fundação nasceu antes mesmo da sua criação. Lembro de quando pequena ter em minha casa diversas pessoas que ficavam sob ajuda de minha mãe.

Eram pacientes com câncer que ficam aguardando vagas em hospitais e como não tinham condições de trabalhar minha mãe os colocava em casa. E aí me refiro ao grande preconceito gerado pela doença e os sentimentos que provocava nas pessoas. Minha mãe era chamada por movimentos principalmente da igreja católica e hospedava em casa, cuidando pessoalmente deles.

Neste ambiente em que prevalecia a caridade é que fui criada. Quero dizer que ela e as tias Sidronia, Esther e Etelvina Jaqueira formavam um grupo de mulheres além do seu tempo.

Era como se a Fundação já existisse pois viviam para as práticas humanísticas.

No decorrer destes anos em que estou a frente da Fundação, a partir de 2003, busquei principalmente atender os mais necessitados porque é o que mais temos em nosso Estado. Fui constituindo uma bela equipe de voluntários e passamos a realizar atendimentos de qualidade, oferecendo inclusive em áreas privilegiadas da saúde e que nem mesmo os convênios particulares cobriam.

Realizamos mutirões de saúde que incluem psicologia, fonoaudiologia, gerontologia, psicopedagogia. Nosso programa para TDAH – Transtorno do Déficil de Atenção Humana conseguiu alcançar milhares de pacientes.

 

Ameaças por defender crianças dos

abusos e violências de todo tipo

Sandrah - No decorrer da defesa pelos Direitos Humanos como chegou aos poderosos e o quais eventos levaram a que eles chegassem a te ameaçar?

Vera Mattos - Através da militância e do ativismo político fui me informando cada vez mais sobre Direitos Humanos. E saí da prática para os estudos sendo hoje Conselheira em Direitos Humanos através de certificação recebida pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil.

Mas foi na prática do atendimento em psicanálise e psicopedagogia que chegaram os casos de abusos e violência cometidas contra crianças, tanto meninas quanto meninas. A Fundação prestava atendimento as vítimas e suas famílias.

A partir daí, alguns casos específicos se transformaram em motivos para graves ameaças pois ao acompanhar crianças e em alguns casos toda a família, oferecíamos relatórios conclusivos a pedido da justiça . Além disso, como presidente da instituiçao eu tinha que ir depor em juízo.

Também quando as crianças estavam sendo atendidas dentro da Fundação tínhamos que ficar atentos a possibilidade de seqüestro delas pois sabíamos que os pedófilos estavam dispostos a tudo.

As ameaças passaram a existir a partir destes atendimentos sendo que as ameaças mais significativas partiam exatamente dos agressores com maior condição financeira e que sequer admitiam culpa.

Aliás, nem admitiam que suas famílias fossem tratadas psicologicamente. Desgraçadamente, alguns destes pedófilos consideram absolutamente normal o que praticavam mesmo quando as vítimas tinham dois anos de idade.

Então, respondendo a sua pergunta, desde que passamos a fornecer informações para construção de processos judiciais comecei a entrar em risco pessoal e a sofrer ameaças que me permitiam viver até o primeiro semestre do ano de 2006.

A partir do segundo semestre de 2006, a partir de um caso que está sob segredo de justiça, eu e a minha família passamos a ser ameaçados diretamente. Enfrentamos assaltos dentro da própria Fundação, carros nos seguindo, assaltos seguidos de agressão física, assaltos a mão armada, seqüestro relâmpago etc. Passei a ser seguida e vigiada.

No segundo semestre até o show beneficente para a Fundação, em 16 de dezembro de 2006 foi assaltado, levando-se o dinheiro da sonoplastia e bens dos artistas presentes naquele momento. Logo após a unidade da Fundação que ficava na cidade baixa foi completamente assaltada, levando-se todo acervo pessoal da homenageada. Também todos os computadores foram levados assim como nosso parque tecnológico. Nada sobrou.

As ameaças continuaram mesmo após isto. Eu diria que a palavra certa seria a tortura psicológica. Até nos espaços públicos onde a Fundação atendia passei a ser procurada por homens estranhos.

O resultado são mais de vinte mudanças de moradia, foi deixar de atender pessoas para não colocar as demais em risco. Minha família foi sensivelmente prejudicada. Minha filha já não freqüenta universidade há um ano. Deixei de ter telefone fixo e pelo celular recebia todo tipo de ameaças e sempre com a informação de que sabiam onde me encontravam.

O último em plena greve da polícia em Salvador avisava sobre o seqüestro da minha filha.

Fui para dentro de uma Delegacia para fazer mais um boletim de ocorrência.

Infelizmente, na Bahia tudo é extremamente lento. Algumas instituições são sérias e entre elas cito o Ministério Público do Estado da Bahia e o Promotor das Fundações Luiz Eugênio Miranda. Também a atuação da delegada Isabel Alice titular da DEAM. O Núcleo de Justiça e Direitos Humanos da Secretaria de Justiça e em especial na pessoa de Mônica Bittencourt.

Infelizmente, os outros órgãos são lentos, ineficazes e ineficientes. Dois anos o começo da nossa história e nada anda. Inquérito policial concluído. Todo prejuízo moral, familiar, profissional. Todos os danos estão aí.

Hoje o pedófilo é beneficiado pelo segredo de justiça quando não há flagrante. Quando a justiça julga improcedente as queixas o elemento é liberado e transforma a vida das pessoas em um verdadeiro inferno.

Infelizmente, existem juízes completamente despreparados para julgar estes casos. Ou poderia dizer benevolentes para com os agressores e que colocam em dúvida até o testemunho das mães. E creio que existem outros que diante do desenho de uma criança atingida não apresentam qualquer sensibilidade. E digo mais: para eles laudos psicológicos não importam e não acrescentam. Somente um laudo interessa: o do instituto médico legal que prova se houve conjunção carnal através da violência. Há casos em que os homens dizem ter sido seduzidos por crianças de cinco a seis anos.


Sandrah - Sabemos que a Pedofilia grassa por todo o país e só aparece na televisão quando os casos estão resolvidos, como está seu trabalho quanto a esta questão e quais os desdobramentos?

Vera Mattos - A Fundação não pode parar. Continuamos trabalhando. Por uma questão de segurança e para principalmente não colocar em risco os demais profissionais eu não compareço em eventos públicos. Estou sempre escondida, com endereço incerto e vivendo de maneira precária. Atualmente estou em uma favela onde assisto a situações dramáticas mas encontro solidariedade. Da mesma forma, dentro do possível procuro auxiliar aos moradores de lá.

O meu caso e o da Fundação estão no Ministério Público do Estado da Bahia.

De um delegado muito experiente na Bahia ouvi o conselho de deixar Salvador e ir embora daqui pois sou testemunha e arquivo vivo. Portanto, que a polícia não pode me assegurar qualquer proteção, que eu saia com a minha família daqui.


Violência contra a mulher de todas as classse sociais

Sandrah - Sabemos que defende a mulher que sofre violência. Existe um perfil próprio de mulher que sofre violência na BAhia e no Brasil, quais são os dados desta questão. Você acredita que ainda há impunidade?

Vera Mattos – Não, não existe um perfil próprio. Mulheres de todas as classes sócio-econômicas sofrem violência seja física ou psicológica. Nem sempre os dados correspondem a realidade e os dados oficiais estão aquém da violência cometida.


Sandrah - Na Bahia, a Lei Maria da Penha é cumprida, porque a própria Maria da Penha foi beneficiada apos 7 anos, como você vê a questão das punições?

Vera Mattos Na Bahia foi criada uma rede de mulheres para acompanhar especificamente a situação. Acredito que temos que estabelecer uma nova cultura onde a mulher sinta segurança suficiente para dar queixa e depois levar o processo a frente. Antes da Maria da Penha as mulheres ofereciam mais queixas. Hoje, quando sabem que não poderão voltar atrás, elas temem e acabam com isto reduzindo o número de casos registrados.

Na Bahia não existe estrutura suficiente para a demanda. Falta tudo: desde estrutura suficiente para abrigar vítimas e testemunhas como profissionais como delegados, promotores e defensores.

Sandrah - Quanto a pedofilia, os psicólogos alertam que o pedófilo é um doente e em muitos casos, também sofreu abusos na infância. Existe alguma forma de prevenção ou de alerta às famílias que você possa dar?

Vera Mattos – Eu discordo. Nem sempre o pedófilo é um doente. E também é mito que eles tenham sofrido abuso na infância. Isto somente serve como argumento de absolvição.

As formas de prevenção começam na família que é aliás um dos principais meios em que ocorrem a pedofilia principalmente a silenciosa. Quando todos são cúmplices porque sentem vergonha em denunciar alguém da família, esquecendo que tem alguém sofrendo muito e precisando de ajuda urgente.

Sandrah - Quais as providências que deveriam ser tomadas pela Justiça Brasileira, tanto quanto a defesa dos direitos das crianças e do adolescente, quanto os direitos das mulheres?

Vera Mattos Leis existem e são muitas. A questão do Brasil é o cumprimento das leis.

Daniel Ponte também sofre represálias no Rio de Janeiro

Sandrah - Como você vê a defesa dos próprios ativistas dos Direitos Humanos, uma vez que muitos estão sendo ameaçados de morte. Que solução você imagina? A Anistia Internacional atua na defesa das lideranças? A Onu se pronuncia? Como você vê esta questão?

Vera Mattos – Hoje eu diria a um jovem defensor: você vai entrar nesta área por sua conta e risco. Nada espere do Estado. Nada espere do seu governo. Nós somos abandonados a nossa própria sorte. A partir do momento que passamos a ser vítimas a única voz que temos é a da imprensa.

Cito aqui o caso do médico Daniel Ponte que denunciou a barbaridade do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro e hoje é caçado pela própria máfia carioca. Enquanto ele é ameaçado permanentemente, não pode trabalhar, sofre todas as torturas psicológicas, os poderosos do Rio de Janeiro levam suas vidas confortavelmente com o dinheiro do crime.

Você poderá também verificar os nomes dos defensores mortos nos últimos anos.

O Brasil parou nesta área. Criou ministério, secretarias e cargos. Mas no meu caso por exemplo não recebo uma ligação oficial e nenhuma ajuda oficial.

Sandrah - O que você diria para as lideranças de todo o Brasil quanto a defesa dos Direitos Humanos e o apoio efetivo aos ativistas? como articular uma rede eficaz para não se ter tantas ameaças.

Vera Mattos – Honestamente, acredito que estamos distantes disto. Somente as organizações internacionais podem ajudar. A dificuldade de articular uma rede me parece maior pelo fato de que o País tem grandes distâncias e que somos vigiados de todas as formas pelas redes de criminosos. Enfim, estamos entregues a própria sorte.
Sandrah - A Fundação Jaqueira está responsável por mais atendimentos, de que tipo? Atende a mulheres, crianças, idosos como é esta atividade e como mantê-la? Nesta campanha para ajudar, o que cada liderança pode colaborar e que tipo de apoios efetivos já tem?

Vera Mattos – Embora a Fundação Maria Lúcia Jaqueira tenha obtido o título de utilidade pública ainda não recebemos qualquer recurso governamental.

Precisamos de muita ajuda para atender as comunidades carentes. Peço que visitem o site http://www.fundacaojaqueira.org.br


Sandrah - Quanto a captação de recursos, entidades de fora da BAhia podem auxiliar? O que você diria a respeito.

Vera Mattos – Sim, claro que sim. Todos os recursos serão bem apreciados. Precisamos de toda ajuda até porque acredito que somente a sociedade organizada pode mudar o caos social que vivemos.

Agora, precisamos arrecadar recursos para uma das nossas unidades que ficam em favelas com milhares de famílias vítimas da violência. Precisamos de recursos para sopa,

para roupas, para construção de espaços. Temos profissionais voluntários mas não temos recursos para dar continuidade aos trabalhos dentro do ritmo exigido.

Hoje a Bahia apresenta um elevado índice de criminalidade. As mães perdem seus filhos para a guerra do tráfico aqui instalada. As mulheres perdem seus maridos. Na maioria das vezes os cadáveres de negros e pobres são sepultados sem qualquer presença familiar pelo temor dos parentes de também se tornarem alvos. Vivemos a sociedade do medo.

A injustiça e a desigualdade social imperam por aqui. O crime é a única escola freqüentada pelas crianças da periferia e das favelas que ficam dentro dos bairros nobres. É uma triste Bahia.

 

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